domingo, 7 de agosto de 2011

uma coisa que queria dividir com vocês

Morte e Chocolate

Primeiro, as cores.
Depois os humanos
Em geral, é assim que vejo as coisas.
Ou pelo menos, é o que tento.

• EIS UM PEQUENO FATO •
Você vai morrer.

Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem meus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça pra ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.

• REAÇÃO AO FATO SUPRACITADO •
Isso preocupa você?
Insisto - não tenha medo.
Sou tudo, menos injusta.

- É claro, uma apresentação.
Um começo.
Onde estão meus bons modos?
Eu poderia me apresentar apropriadamente, mas, na verdade, isso não é necessário. Você me conhecerá o suficiente e bem depressa, dependendo de uma gama diferenciada de variáveis. Basta dizer que, em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda a cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços. Haverá uma cor pousada em seu ombro. E levarei você embora gentilmente.
Nesse momento, você estará deitado(a). (Raras vezes encontro pessoas de pé.) Estará solidificado(a) em seu corpo. Talvez haja uma descoberta; um grito pingará pelo ar. O único som que ouvirei depois disso será minha própria respiração, além do som do cheiro de meus passos.
A pergunta é: qual será a cor de tudo nesse momento em que eu chegar para buscar você? Que dirá o céu?
Pessoalmente, gosto do céu cor de chocolate. Chocolate escuro, bem escuro. As pessoas dizem que ele condiz comigo. Mas procuro gostar de todas as cores que vejo. - o espectro inteiro. Um bilhão de sabores, mais ou menos, nenhum deles exatamente igual, e um céu para chupar devagarinho. Tira a contundência da tensão. Ajuda-me a relaxar.

• UMA PEQUENA TEORIA •
As pessoas só observam do dia no começo e no fim,
mas, para mim, está muito claro que o dia se funde através de
uma multidão de matizes e entonações, a cada momento que passa.
Uma só hora pode consistir em milhares de cores diferentes.
Amarelos céreos, azuis borrifados de nuvens. Escuridões enevoadas.
No meu ramo de atividade, faço questão de notá-los.

Já que aludi a ele, o único som que me salva é a distração. Ela preserva minha sanidade. Ajuda-me a aguentar, considerando-se há quanto tempo venho executando este trabalho. O problema é: quem poderia me substituir? Quem tomaria meu lugar, enquanto eu tiro uma folga em seus destinos-padrão de férias, no estilo resort, seja ele tropical, seja na variedade estação de inverno? A resposta, é claro, é ninguém, o que me instigou a tomar uma decisão consciente e deliberada - fazer da distração minhas férias. Nem preciso dizer que tiro férias à prestação. Em cores.
Mesmo assim, é possível que você pergunte: por que é mesmo que ela precisa de férias? De que precisa se distrair?
O que me traz à minha colocação seguinte.
São os humanos que sobram.
Os sobreviventes.
É para eles que não suporto olhar, embora ainda falhe em muitas ocasiões. Procuro deliberadamente as cores para tirá-los da cabeça, mas, vez por outra, sou testemunha dos que ficam para trás, desintegrando-se no quebra-cabeça do reconhecimento, do desespero e da surpresa. Eles têm corações vazados. Têm pulmões esgotados.
O que por sua vez, me traz ao assunto de que lhe estou falando esta noite, ou esta manhã, ou seja lá quais forem a hora e cor. É a história de um desses sobreviventes perpétuos - uma especialista em ser deixada para trás.
(...)

A Menina que Roubava Livros
Prólogo, Capítulo 1 (quase na íntegra)
Páginas 9 e 10

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como não postei nada por esses tempos, e não queria só passar pra dar oi, achei que seria interessante postar este trecho do livro, porque achei bonito, profundo...
enfim...
oi! permaneço vivo (Y)

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