Oi (130)

oi
essa noite eu saí pra andar porque sim
era quase meia noite, e eu saí de casa sem celular ou dinheiro, só com um bloco de notas, e o mp3 como barulho de fundo

achei que valia a pena escrever algumas cenas que vi:

dois homens numa calçada; um sentado e um de pé
o que estava levantado, de costas pra mim, me viu chegando e virou-se encostando num poste
enquanto me via passar, o outro tirava os sapatos
passei em silêncio, e não consegui ouvir conversa entre eles ou qualquer tentativa de me chamar
virei a esquina próxima e tentei olhar a cena novamente, mas sem sucesso
tirei um dos fones, mas também não ouvi nada

uma moça de vestido curto rosa chiclete e salto alto
estava parada ao lado de um carro estacionado na calçada
ela conversava com alguém dentro do carro
quando me aproximei, percebi uma segunda mulher no banco do passageiro
a porta do carro entre as moças estava aberta
especulo que houvesse mais alguém dentro do carro, mas não vi
elas conversavam num tom quase audível para mim, mas não identifiquei o assunto
ao lado, separados apenas pela sinalização alta de um comércio e uma cerca viva bem rala, um grupo de umas cinco pessoas numa mesa
a mesa era daquelas plásticas, comum em bares, e dava a impressão de um grupo que se reuniu para terminar o dia entre amigos

um movimento estranho, que começou com um homem fumando numa calçada
a rua fazia uma curva e levou um tempo para que nos víssemos
tão logo me viu a alguma distância, moveu-se alguns passos para fora de minha visão
em seguida, um homem de bicicleta apareceu pela curva, vindo em minha direção
apenas alguns metros depois de me ver, fez meia volta e entrou numa rua transversal
talvez eu tenha visto um sinal entre os homens
só o ciclista virou a esquina, era uma rua bem escura e eu não o vi mais
o homem fumando seguiu na mesma direção que eu, na minha frente alguns metros
fiz meia volta repentinamente, e mantive passo firme na direção oposta
na calçada do outro lado, um homem também entrou na rua e mantinha um andar decidido
não me olhou em nenhum momento, embora seguíssemos a mesma direção
eventualmente nos separamos

uma Mercedes SLR encosta na calçada
de dentro do carro, com uma breve despedida, saiu uma moça de salto alto e vestido preto curto
a moça saiu da minha vista, coberta pelo muro de um prédio
o carro não se moveu
pensei que a moça tivesse entrado no prédio, mas me surpreendi ao vê-la seguindo pela calçada na mesma direção que eu
evitei me aproximar, para não assustá-la, mantendo o mesmo passo
alguns metros a nossa frente, a mesma Mercedes encostou na calçada
passamos pelo carro; a moça e eu alguns segundos depois
perdi-a de vista num posto de gasolina, onde pensei que ela entraria na loja de conveniência
o posto fica na convergência de duas avenidas em uma única (como uma letra Y)
ainda estávamos ao alcance dos olhos de quem estivesse na Mercedes
novamente, ela apareceu no meu campo de visão, do outro lado da rua
contornei o posto e seguimos direções opostas
ela ainda estava a vista de quem dirigia o carro

um homem e uma mulher de aparência embriagada
vieram de uma rua transversal e entraram na rua que eu seguia
íamos na mesma direção, em calçadas diferentes, comigo mais atrás
reparei que se apoiavam um no outro, abraçados como um casal
eles param e se viram abraçados na minha direção
o homem tem o braço livre bem aberto, como se estendido para um astro no céu
pareceu uma cena estereotipada de declaração de amor
penso ter visto um sorriso apaixonado e bobo no rosto do homem
seu gesto longo agora parece longo demais
eu esperava a qualquer momento sair do caminho entre o homem e o que ele estivesse indicando, mas conforme eu passava, ele se mantinha virado pra mim e com o braço estendido
não fui capaz de escutar nenhum chamado, e segui meu caminho muito incomodado
não olhei pra trás e nem tirei os fones para tentar ouvir qualquer coisa